sábado, 19 de julho de 2008

João, o palhaço - Dry Neres




É... meu nome é João! Herdei esses olhos azul oceano do meu pai, e a arte de ter o nariz avermelhado, da minha mãe. Meu trabalho é... fazer com que as pessoas possam sorrir. E como me é interessante, fulgaz! ...? Volta e meia você pode me encontrar com malabares nas mãos, ou em cima de uma corda a me equilibrar. Passo o dia todo com essa maquiagem que escurece ao passo que dá brilho à minha face. Mas eu queria falar especificamente de um fato que me fez refletir esta noite... Bom, durante o espetáculo, que de rotina apresento, uma criança viu correr dos meus olhos uma lágrima que as tintas fortes do meu rosto não me permitiram sentir e impedí-la de se lançar ao chão. A menininha gritou da platéia: - Ei, mamãe... Porque ele chora enquanto sorri?! Na verdade minha casca estava ali; casca que sabe bem o que fazer, mesmo sem minha alma por perto... ela foi bem treinada para enganar, digo...para entreter as pessoas. Ninguém deu atenção àquela menininha, mas eu pude notar os lábios que se moviam e o olhar de decepção. Eu rasguei o personagem que pintaram para aquele ser... Eu me senti um traidor! O que devem ter ensinado para ela é que os palhaços nunca choram!!

Mas...

Meu nome é João. Eu sou um palhaço. E descobri o porquê de tanta tinta no rosto após esta noite. Ela ajuda a esconder minhas rugas, minhas decepções, as decepções dos outros... faz com que focalizem o olhar na minha face e esqueçam dos meus ombros pequenos e caídos, dentro das minhas roupas largas e dos sapatos que guardariam três pés meus. Sabe, já me acostumei tanto, que até durmo assim. Já me acostumei tanto que de todos os lugares por onde meu corpo passou, eu só lembro do fim do espetáculo. Alí em cima, eu pareço não ser eu. Perto das pessoas, eu pareço não ser eu. Eu estou pensando em parar de beber, abandonar a vida de "fazedor de sorrisos" e... ser alguém real!

Mas essa história de ser real me assusta tanto... O que eu toco é tão passageiro... Na verdade, nem é tão ruim assim ser palhaço. Olha, esse mundo meu deve ser melhor que esse seu aí! Tudo bem... eu posso até ter me tornado um tanto mecanizado devido a rotina. Mas e você?

... Meu nome é José. Eu sou palhaço!

Isso mesmo! Eu não tenho nome certo, nem idade tenho. Não sei quem é meu pai, mas ainda sim suponho que meus olhos sejam dele. Não sei o que é ter mãe; mas ela, a minha, se existisse seria uma grande bailarina! Eu moro naquela esquina alí alguns dias da semana. Em outros, durmo com esses cachorros aqui. Meu salário é o teu riso, mesmo que insano, seja acompanhado por uma moeda de um real.

Sinto informar, mas tudo isso aí em cima é devaneio! Meu nome não é Afrânio e muito menos, sou palhaço. Ah, eu só sou uma maluca que escreve com o fígado. Que não sabe organizar idéias, mas que adora provocar caos e a confusão na sua leitura. Que tem o nariz vermelho, mas que não sabe ser tão engraçada assim! Sim... Eu, sou uma palhaça! E adoro fazer malabares com cada letra...

Meu nome é João, Maria, Você, Óculos, De Sol, Caixinha de fósforo... eu não vou nomear! Se alimente, seja louco!

7 comentários:

~ Marina ~ disse...

Dry, ótimo e singular texto! Aliás, seu estilo é bem diferente e inteligente.

Abraços!

Anderson Meireles disse...

Sua escrita é tão intensa que chego, em alguns momentos, a ficar sem ar...
...sonhava com o momento em que poderia escrever com liberdade total;_ Quando tudo estiver acabado, escrever sem preocupação de ordem, tudo o que me passar pela cabeça...Albert Camus.
Ele não teve essa chance. Morreu antes.
Você está tendo,
um abraço!

Katia De Carli disse...

Quanta sensibilidade, Dry querida,
Acho que eu sou a lágrima... às vezes vertida, às vezes escondida.
beijo e boa semana

Vanuza Pantaleão disse...

Malabarismos com as letras e com as cores da vida!Bjsss

Anônimo disse...

Nossa, adorei esse texto!
E todos nós usamos uma certa "maquiagem" pra viver...

~ Marina ~ disse...

Que teus devaneios continuem a te inspirar textos criativos como este.

Beijos, querida Dry!

Katia De Carli disse...

Ai Dry, vc me deixa encabulada... (nossa! que coisa mas velha! rs)
Mas amiga, decidi que hoje é dia de rir...
Vá conferir a história, quando puder.
beijo