segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Descrição da Casa Prosáica
Dry Neres


Os quartos são alongados. Parecem querer abrigar os mundos. Bem iluminados, papéis de parede em poesia, um círculo desenhado ao chão. Em cada canto, uma miragem. No teto, lantejoulas arquetípicas desenham lágrimas que não molham. No ar, perfume de aconchego. No ar, algum resquício de dor. Voltando-se para o lado esquerdo, numa rotação corporal de 55º graus, vê-se a sala. O cômodo mais bonito. O cômodo mais arranjado. Não tem sofá, mas os tapetes cor de sangue desenham o mar que cobre a ausência tua. Os abajures representam as noites de leitura do corpo seu sobre os livros espalmados. A lareira me dá a impressão de sentir o pulsar do meu coração, a cada faísca que voa, que grita lá. Tenho dois quadros. Um meu. Um seu. Mas em todos, a pintura que vejo é a sua. Vejo o dedilhar da alma tua, caminhando pela sombra dos mesmos. Outro papel de parede e os dizeres: Mora-me, pertença-me, suga-me! O som é mais agitado por aqui. O som é mais rápido, intenso. As paredes costumam se movimentar com as ondulações das luzes que emanam do chão. O teto é sem cor. Abriga acomodações de uma osga cinegética (personagem que me habita os devaneios desde que conheci o Agualusa). Não tem cozinha. É bem pequeno por aqui. Não tem banheiro. Já não sou humano. Tampouco, naturalista. É bem pequeno por aqui. Abrigo outra casa. Mas essa só vive em meus sonhos. Das fotos que tiro, só eu vejo a casa perpendicular querendo me invadir. Só eu vejo as possibilidades de um enlace em que a ponta invada meu teto. Só nas fotografias de vento isso se faz real. Só pra mim. E quando desocupada me deixo, visualizo no espelho que ganhou lugar fora da casa, a imagem minha refletida naquela construção. Os cômodos, são minhas personalidades. Os móveis, pura imaginação. O que não foi citado... é a verdade acerca do meu coração.

Tenho uma casa que parece comigo.
Tenho uma casa que parece ser eu.

3 comentários:

Anderson Meireles disse...

Louco sim. Pois não é "normalmente", "simplificadamente", "desimportantemente", fácil de ler. E entender.
Dá vontade de entrar aí dentro. Ficar por aí uns dias...
Me fez lembrar uma frase que se não me engano é de José Gomes da Rocha: " Mas a obsessão máxima de todos é; entender arte com a mesma facilidade, estupidez e preguiça de quem, a bocejar, lê relatos de crimes nos jornais."
Abraço!

Poeta Mauro Rocha disse...

Somos casas e nossos olhos são nossas janelas e por eles entramos no mundo e o mundo nos vê e só quem permitimos é bem vindo a nossa casa.Um texto muito bonito, parabéns!!

Um abraço!!

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Que gostoso!
Como é viver assim? deve ser uma delícia.
O que seria do mundo sem os poetas?
beijos, apareça