sexta-feira, 3 de julho de 2009

Onde as ruas não têm nome
Dry Neres


Tenho sido como as retóricas reticências ricas em matizes melódicas. Depois de desidentificar-me, notei-me quase gelada. Como um cadáver que passou por uma autópsia enquanto ainda vivia... Onde foram arrancados todos os órgãos que exprimissem algum tipo de sentimentalismo relevante. Tenho deixado de ser sentimental aos poucos. E isso não me agrada tanto assim. Rabisco álbuns velhos, recolho músicas que aprisionei num baú de recordar momentos. Tenho uma rotina quase degradante. Tenho a vontade gritante de voltar para a casa segura que eu tinha vinte e um anos atrás. Alí eu sentia toda a proteção que o ventre materno me devotava. Sentia-me inundada de amor incondicional. Não encontrava problemas, tristezas. Minha única atividade era torcer para aquela bolsa tão quente que me envolvia, não estourar. Quando estourou, não quis abrir meus olhos, nem sorrir. Num gesto súbito chorei porque senti que meus dias começariam-a-acabar naquele exato momento. Tenho sido vários heterônimos Pessoanos em mim. Tenho sido a desconstrução do próprio nome que me deram. Não me percebo tão integrante de mim. É como se a minha consciência a todo custo tentasse me expulsar dessa face rígida que observo nos espelhos - quebrados. É como se o meu próprio coração me rejeitasse. O meu corpo é instrumento desafinado e eu tenho me sentido facilmente só, mesmo quando caminho nas ruas largas do meu mundo lateral. Só as músicas me escutam bem. Só as letras me escrevem bem. Embriago-me todos os dias de elementos nocivos ao meu corpo já frágil. Quem dera que não fosse só fingimento poético, antes quisera ser verdade, esse embriagamento. Instigo o carro que me leva, a tomar o rumo das ruas sem nome. Lá depois dos altos montes e curvas retilíneas e dispersas das rodovias aéreas. Gostaria de ser vizinha do vento e só. Iluminar (me)-ia com a luz do sol e só. Alimentaria-me dos léxicos que diariamente eu produziria. E venderia minha arte em troca de sorrisos. Meu corpo se cansa das utopias modernas. A realidade implora-me atenção. Escondo-me nos becos do comodismo e da suscetibilidade que invadem os meus dias. E nenhuma rua parece ter métrica ou precisão. E nenhum lugar me leva onde as ruas não têm nome.

Um comentário:

Ingrid disse...

você tem um ritmo de escrever que encanta ;)
não é algo comum, isso é bom.