terça-feira, 10 de março de 2009

O deserto que somos
Dry Neres




Pingam algumas gotas nesse solo quente que me faço. Permeia alguma água que escorre por esse coração. Desenlaça uma alma de um corpo. Envolve os cactos com esses versos soltos. Penso que sou o próprio deserto personificado. Deserto não é sempre vazio. Deserto tem sol, tem gente, tem céu, tem mito, miragem, canção. Desertos têm príncipes, galáxias, nadas. Penso que nossa liberdade é tão limitada, encarcerada. As gentes nesse mundo são tão estereotipadas. Se você saí um pouquinho da linha do que ensinaram nas gramáticas, literaturas, constituição, você é considerado estranho. Se você não concorda com o que as placas dizem, com o que os dirigentes das massas pregam, você é considerado rebelde. Se você ama, simplesmente ama e seu amor não pode ser fotografado e seu amor não pode de mãos dadas com você caminhar pelas calçadas... Você é considerado desumano, anormal. Você se enquadra no padrão?

Sou deserto quando penso na falta de amor, calor humano. Sou deserto quando vejo homens vestidos de relógios, calendários, monopólio. Não se pergunta mais o nome das gentes viventes. Indaga-se acerca das contas bancárias, dos títulos dos livros, dos vinhos que se degusta. É uma contradição, brincar de enjaular palavras bonitas na garganta, brincar de ser humano que ri, sonhar com a crença de dias melhores. É contradição maior ainda ser poeta e usar computador, ver televisão, embarcar no avião. Peco quando tento não ser deserto meu. Peco em duplicidade quando finjo ser eterno o tocar de mãos, o beijar dos lábios, o abrir dos olhos. A eternidade é utopia dos que ainda não cegaram. Ceguei!

Dói-me avassaladoramente ver que os anos se passam, os carros aumentam, mais bebês nascem, muitos velhos morrem, e penso no caos que é pensar. E penso no caos dos desertos milhares muitos vários que somos. Que me perdoe a sintaxe gramatical pela minha ignorância literária. Que me perdoem os lexicos, silábas, frases, pois minhas mãos são desertos aguados, só escrevem. Não penso para escrever. Não é necessário pensar. Eu sinto que as letras vão me tragando, vão me fazendo cócegas e preciso rápido, tão rápido e demasiadamente largá-las aqui. As sílabas vão fazendo eco nesse deserto aguado e deixam em estado de transe espacial, com os lábios secos como se eu as pronunciasse a exércitos de sessenta mil homens cada. Vejo-me em ato de parir, de morrer nessas linhas que terão como túmulo essa lápide de texto acerca do deserto aqui nesse lugar de abrigar meus besteiróis que eu ouso chamar de prosa poética. Respiro pouco aqui... Estou fotografando as paisagens que formo no meu singular pluridesertificado estado estático do pensar e fazer. E nada faz sentido. As palavras não se acham, não querem se abraçar e como ter um câncer sem vírgula sem possibilidade dessa cura que é viver e achar que se vive bem quando o caos se instaura dentro e fora de você e não há literatura nem canção nem verso de shakespeare que te prove que te faça se assumir como ser tem veias e sangue que corre pelo corpo que já se julga ser morto em estado de vivência e eu tento não sentar ali naquelas pedras e bancos de areia para não me sentir tão cansada e não espero que alguma ave me arranque desse estado sem líquido no deserto e não aceito que as vírgulas me arranquem dessa construção do meu respirar ofegante e dessa dor e felicidade que é digitar quase arrancando as letras desse aparelho que inventaram para facilitar a rapidez do gozo veloz das palavras que me tomam e me canso e paro.

Um comentário:

Poeta Mauro Rocha disse...

Neste deserto há um oásis escondido...

BEIJOS!!!