sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Quando a dor te abraçar...
Dry Neres



Abrace-a também! Não em exagero, mas sinta-a! Chore... Amaldiçoe o amado e o amor, mas só por alguns segundos. Leia Dom Casmurro, vá a Pirenópolis, ligue por 'engano'. Tome banho de chuva nua, assim na rua, bagunce os cabelos, grite na frente do espelho. Escreva cartas desesperadas, amasse-as depois. Recorte fotos, formate o computador, tira o esmalte das unhas, pegue a lista telefônica. Se fome sentir, leia Cecília, se quiser aumentar a dose de dor, leia Florbela. Caminhe nas calçadas, entre postes, pontes, sente-se na grama, beba água gelada, procure a fatura do cartão de crédito. Escute 'Elephant Gun' enquanto devora chocolates e lê mensagens antigas no celular.
Quando a dor me abraça, eu me sinto perdida, esquecida, inundada. Não me serve a Literatura Realista, não me servem canetas com pouca tinta. Meu corpo pede repouso, recusa alimentos, recusa seus líquidos, se desfaz das suas roupas. Meu corpo caminha dormente, em estado de intensa reflexão, introspecção. Tudo é zunido, tudo é filme, tudo canção. É uma mistura inflamada do álcool que eu nem bebo, com o cigarro de cereja que você fumava pros meus pulmões. Preciso te excluir da minha agenda, para que nos dias em que eu me encontrar sozinha na minha sala de trabalho, com meu computador e meus papéis não sinta uma vontade desesperadora de te procurar. Preciso arrancar do ouvido teu riso bonito, autêntico e profano.
A dor é desagradável, causa desconforto excruciante. A dor do poeta é a beleza do verso. A lágrima-rio do poeta é a vida das linhas. A dor é a presença de verdade nas palavras. É o motor da escrita. É edifício e a destruição. Sinto-me como se eu fosse papel, você mão. Você escreveu em mim uma história pro nosso afeto, rasgou o papel, escondeu os pedaços. A minha dor é doida, descamisada, memorialista.
Quando a dor te abraçar... Não adianta fingir-se de herói. Aí tem batimentos, artérias, veias, sangue. De tudo, humano você é! Tem o direito de não querer levantar da cama, nem pentear os cabelos, nem dizer que tá tudo bem. Arrume suas malas... Leve o Vinícius no bolso, chame o Carpinejar, convide a Clarice para o jantar... E vá pra Pirenópolis! Ah, lá você faz uma prece, invoca o Lord Byron, conversa com os hippies, faz tererê e manda sua dor descer pela cachoeira. Que nas águas fiquem sua dor. Pegue a toalha, se seque, caminhe descalça até o carro...
Se alimente de Exupéry e esqueça de voltar.

4 comentários:

Deni disse...

ótimo post...
parabens pelo blog..

t convido a vir no meu

www.bagageirodocurioso.spaceblog.com.br

abraço e boa sexta!

Heduardo Kiesse disse...

"A dor do poeta é a beleza do verso"

sinto-me convidado querida amiga minha, sinto-me convidado neste teu banquete de palavras sentidas e bem escritas - sempre de uma forma original e sugestiva!!
adorei essa estadia em partilha!
teu paradoxos!
beijão, aquele, nosso!

Babes disse...

Fiquei...
Emudecida com as tuas palavras.
Tão certas... tão sábias...

Fantástico!!!!!!


Meu beijo

Anderson Meireles disse...

Fenomenal! ..."almadiçoar só por alguns segundos...
É possível existir algo mais poético que isso?