quinta-feira, 7 de maio de 2009

38 gritos
Dry Neres



Sou inquieta. Ciumenta. Poética. Sutil. Velha. Nova. Arquetípica. Silenciosa. Ilha de mim. Sou várias em uma só. Multidão de São Paulo. Calmaria em Compostela. Tudo em mim parece acelerar-se. Quando criança, não sabia ter olhos de criança. Quando 20, tenho 70. À frente. Tenho os cheiros de todos os versos que se misturaram com o meu corpo. Confundo-me com os papéis de cartas e diários antigos que se jogaram pelo o meu local de abrigar o sono. Tenho o corpo suave. Mantenho os pés assim fora do chão, na tentativa egoísta de não fazer sangrar o coração. Nomeio o que sou e sinto como estado epifânico, todavia não sei o que fazer com a imagem que vejo nos espelhos. Corro do que descobri. Escondo-me dos registros que guardam de mim. Não atendo aos meus sentidos oculares quando à força esfregam em mim algumas rugas ou os meus lábios de outrora.

E de repente o cenário muda. Sou outra novamente. O que era presente, virou vazio. E mesmo feliz tenho a necessidade de falar sobre tristeza. Isso é arte típica dos fingidores de 'sentires' - poetas. Imito-os. Invejo-os. Derramo-os sobre meu corpo nu de conceitos. Sou quadro em branco à espera da pintura nem que seja rupestre, mas que seja pintura. Que invada o vazio que o branco se fez em mim. Tudo que ouvi no decorrer da breve existência minha até então, se aglomerou em blocos pensamentais que hora ou outra permeiam a parte do corpo meu responsável por sentir dor. Dor por tudo que o ser humano é. Dor por saber que aqui estamos sem compreender porque estamos. E fazemos o que achamos que devemos, todavia não sabemos. Compramos carros, casas, fazemos amor, guardamos algum cigarro... Cantamos, respiramos, fazemos amor novamente e caminhamos. Vejo um circulo nesse caminhar.

38 gritos expelidos num corpo só. Numa alma só-várias. Em questionamentos mil. Em estado de vida-cena-teatro. Somos todos atores. Funciona assim: Sorrimos o dia inteiro, interagimos com o social, almoçamos com os amigos, vamos ao banco. E sempre que perguntam - Você está bem? Dizemos que sim! 38 gritos expelidos num corpo só, são quando os pés tocam onde ninguém pode te ver, analisar, julgar, cobrar. Aí você é você. Aí você tira as roupas, alisa as coxas, amarra os cabelos. Aí é que você chora, promete e implora. É aí que você se vê. Percebe que embora cercado de outro um milhão de vidas, você é só. Porque sua dores não são expressas em veia ou outro material que possa ser compartilhado. Abstrata é. Cabe a você então, transcender os seus 'sentires' e se apegar à mantras, crenças, mundos laterais ao real. 38 gritos expelidos numa alma só-várias quando não se quer falar da beleza de nada. Quando não se permite brincar que tudo é perfeito, que todos são adoráveis. Em cada grito, uma verdade de três versões díspares. Uma verdade só... Somos desconhecidos de nós. Eu, por assim dizer, sou ilha minha.

3 comentários:

Anderson Meireles disse...

Seu "cotidiano" é de uma poesia tão esmagadora que fico sem jeito de dizer alguma coisa...
Apenas me calo e aplaudo!
Abraço!

Poeta Mauro Rocha disse...

Ilha fértil de idéias cotidianas e desejos complexos, vorazes, sentimentos fortes e palavras fortes.

BJS

Menino Dieke disse...

somos tantas coisas q as vezes acabamos nos perdendo, mais nos encontrando entre as linhas de um poesia. belo o seu post