sexta-feira, 26 de setembro de 2008

À minha febre
Dry Neres



Já procurei habitar reinos inabitáveis, rir risos contidos, escrever o que não sei. A literatura da minha vida é extensa. Não é simbolista, nem tão moderna. Na verdade, sim eu vou falar: - Eu sou romântica em cada fibra do meu corpo. Vejo-me aqui, em cansaço descomunal, em olheiras que se formam em meus dedos, nesta noite em que o frio veste a alma, neste quarto em que me dançam os violões. Meu corpo treme, reza, pede. Pareço estar em febre parafrástica. Tento pousar os pensamentos num papel qualquer, mas eles em confluência, parecem não querer ser traduzidos. Talvez esta noite tenha duas pernas, talvez seja curta demais. Insônia! Por incrível que pareça, os sintomas estão em evidência. Eu sinto uma febre de palavras que soam nas mais diversas estrofes por onde perpassam minhas idéias fugídias. É febre interna, desde que eu brotei aqui. E cada música tem o mesmo perfume, e em cada perfume o mesmo som. Penso que desta vez o amor me bate desesperadamente à porta. Pede passagem e segue viagem. Ele não costuma ser tão insistente. A minha literatura repousa na inquietação da alma. O tempo foge do meu controle. Sinto frio. Fome. Sede. Sinto vontade de voltar. Mas pra onde?

O silêncio e as mãos que apoiam minha face, permitem que lágrimas-várias escorram sem ao menos molhar meu local de guardar os olhos. Eu não sei mais chorar. A febre aumenta, e minhas células se batem, se queimam. Minha literatura não é o realismo. Minha dor nunca é a mesma, porque as alegrias também mudam. Já vi tantas vidas passarem pela minha. De algumas mal lembro, de outras quando o vento vem e me sopra as falas. Nunca me esqueço de uma palavra que fora lançada aos meus ouvidos, mesmo que esta tenha setenta anos caducos dentro do meu sensível e intuitivo tom memorialista. É de estranheza ímpar que eu me encontre aqui tão tarde, a cantar minhas verdades. Me desintegro. Não se preocupe, está tudo bem. Da minha doença, eu é quem sei. Do meu remédio, sei que a receita está ao alcance da minha mão esquerda. Finjo esquecer disso tudo. Assistir ao jogo é mais seguro que jogar. Os graus aumentam, meus poros se molham. Eu tenho febre. Física. Meus pulsos abriram. Meus céus se distorceram na brancura dos meus cabelos negros. A atividade quase semântica do meu ato de escrever, me causa desesperação. Quero escrever tudo. Quero escrever o mundo. Mas ele se condensa em gotas doces, onde escorre pouco a pouco longe de mim. Os mundos são vários, muitos. Ninguém vai conseguir traduzí-los nunca, porque são muitos. Os mundos são vários, de todas as cores, de todas as gentes.

No meu arquipélago febril, onde meus órgãos parecem se cozinhar, me deixo dormir em cima da minha literatura, do livro que é meu travesseiro. As vistas baixas, o olho menor do que de costume, as luzes que não vejo, a máquina de escrever que se move lentamente fazendo o som de vento... Eu só queria tomar esta música num gole só. Eu só queria que o amor fosse de verdade. Queria saber ter coragem. A febre aperta-me a garganta num gesto rude de me levar minha clave de sol, de não me fazer enxergar os pássaros amanhã quando houver dia. Estou a delirar. Tudo que escrevo é desvario, é delírio de loucos. É passagem para a barca que não sei se conduz à parte clara que tanto pintam como a mais bonita. Minha literatura é jardim de uma flor só. Só preciso de uma. Só preciso de ar. Eu vou tomar o remédio, um dia. Mas me deixa ter febre somente por mais essa noite. Me deixa repousar na copa das árvores de folhas molhadas pelas lágrimas que emanam do azul celeste do que o homem ousou chamar de céu. Me deixa ter asas para nadar como quem compõe notas ao ar. Me deixa, me deixa ser febril, em doce febre de amar o que não se sabe que ama... em sutil cólera de sensibilidade poética. Apenas à minha febre, desejo que morra um dia e que a terra devore seus graus elevados a mil que escorrem em minha pele.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Falso ou verdadeiro?
Dry Neres



Você se olha no espelho?
Sabe seu nome completo?
Número de RG?
Você mora em você?
Sabe seu estado civil?
Orientação sexual?
Parece normal?
Gosta de chocolate?
Pensa no cheque-mate?
Ama seu melhor amigo?
Já pensou em sair comigo?
Falso ou verdadeiro?
Você usa máscaras para camuflar sua dor?
Já viu partir com alguém o seu amor?
Esqueceu de tudo e quis partir ao nada?
Sabe se teus olhos te agradam?

Sabe, sabe, sabe... eu sou curiosa, mas não sei perguntar...
Sabe, sabe, sabe... eu não sei mais escrever... tô em outra galáxia... bye, bye sociabilidade.
Meu nome é homem tecnológico. Relógio. Ponteiro. Máquina. Ar. Bomba.
Todos os agrotóxicos estão brincando de comer meus cérebros muitos-vários...
E tudo isso é falso... E tudo isso é verdadeiro!!

Na verdade eu só queria escrever sobre o amor, mas hoje ele disse pra que eu somente sinta a leveza e a brancura da pele tua que o sol tem me trazido... Ele me disse: escreve, escreve... brinca, brinca... Mas não diz sobre teu amor. Deixa sussurrar no céu o nome que grita tua garganta. Mas não fala o nome do teu amor... Fica assim quietinha, feito criança que finge estar com sono. Não desperta agora, pode ser tudo mais um sonho.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O dia em que Deus derrubou a caixa de tintas
Dry Neres




Propositalmente inclinei-me nesta manhã a apreciar a idéia que faço de Deus no ato de suas criações. Me detive em observar as cores! Elas parecem terem sido desenhadas, antes de qualquer coisa. Imagino o desenho de cada cor, o formato e a roupagem que cada uma ganha. Fico em apenas uma... na cor que parece não ter nenhuma. Aquela que escorre ante nossos olhos, que derrama em nossos ouvidos e olfatos. Tive um sonho de fotografia: um anjo sentado na grama, com cabelos dourados, com vestes de cetim, perfume de carmin. Na sua voz cantava um pássaro. Tive um sonho de fotografia: Vi montanhas todas juntas, sem norte nem sul, sem linhas ou pontos. Só uma imensidão da sutileza de todas as cores do dia em que Deus derrubou a caixa de tintas. E era mais ou menos assim:





Ps.: Recebi a imagem via e-mail por um grande e sábio amigo... O comandante Lúcio Gomes. Justamente no dia em que prostrei-me a pensar na tal caixa de tintas... Coincidência? Obrigada Comandante!

sábado, 20 de setembro de 2008

Vôo
Dry Neres



Quando penso em voar, a primeira imagem que se apresenta sobre minha face é a de um pássaro. Humanos são bem parecidos com pássaros, embora não saibam. Eu gosto de sentir cheiro de céu e de comer vento. Eles também. Eu ajo por instinto e sei bem a hora de me isolar do mundo. Eles também. Eles têm uma visão de longo alcance. Eu ainda não. Penso que voar é sair de si. Penso se em determinados momentos o desejo deles fosse tocar o chão e não o céu. Talvez o meu seja o mesmo. Que doce... os pássaros a andar como gente, com cabeça de gente, tocando violão, entoando canções... sentados à mesa, em grandes reuniões, a beber vinho. Que encanto... um engarrafamento no céu. Humanos batendo asas, carros a voar, casar no andar de lá.

Da minha cadeira frente à janela, frente ao mar que não existe aqui... Divago, divago. Eu quero fazer uma experiência de tentar alçar vôos. Nem que eu pegue carona numa dessas máquinas grandes de voar. Nem que eu tenha que escalar o Everest. Eu não sou tão pesada assim. Já vi muita pedra voando, já vi muito, folha pregada ao chão. Eu quero fazer uma experiência de tentar alçar vôos.E isso tem sido como o próprio pulsar da vida que habita em meu corpo. E isso tem sido o movimento de realizar a abertura e o fechamento dos olhos. Porque eu quero me assemelhar aos pássaros, em sua liberdade, sensibilidade, razão. Porque os pássaros seguem, seguem sem deixar que o medo lhe invada as camisas.

Sei pouco de mim e os pássaros vão poder me ensinar quantos grãos eu posso comer por dia, qual a moradia em que devo me alojar. Vão me ensinar que não importa a velocidade dos ventos quando se tem objetivos fixos e que seguir em frente é a melhor opção, quando se tem várias e nenhuma. Vou tocar notas e arranjos com os fios invisíveis que se formam na imensidão e assim, voar. O vôo sentado, o vôo aberto, com perspectivas de volta à mesma embarcação. Distraída. Preciso voltar em alguns momentos meus... até a volta se encontra indo em frente! Dos pássaros que pousam, das gentes que voam, dos "cegos do castelo", dos objetos de voar que caem... eu quero ser embarcação, só. Não importa se na terra, no ar,no mar, eu preciso alçar vôos leves, últimos, encantadores. Que permitam aos meus olhos mergulhar. Que permitam minha pele se soltar, se salvar. Porque no final, tudo vai ser um vôo. Onde você vai pousar? Em doces lagos de água quente ou em campos de trigo de sóis poentes? Porque no final, tudo vai ser um vôo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Talvez ainda seja
Dry Neres






As ondas do mar espreguiçaram-se sobre os meus pés. O sol bocejou-me, indicando que eu passara o dia inteiro ali, sentada. As estrelas não se demoraram em cair sobre minha cabeça em gotas cintilantes, como se caísse o próprio céu. As areias fizeram-se minha própria pele, porque de compaixão elas sofriam ao ver que eu estava em carne viva. Anoitecia. Um cenário dramático para quem carregava somente uma mochila óptica cheia de vento, que guardara para brincar de tocar os nadas, caso lhe faltasse algo a fazer. Em largos goles, a ausência da luz dos meus olhos, bebia-me, sugava-me, arrancava-me da presença minha. Quisera eu, saber ser uma fazedora de histórias, uma vendedora de passados, uma invenção boa de algum Nicholas Shakespeare, uma personagem Julietiana... me restou, o Ser Onomatopáico, onde exalar sons me fizera ser o bastante. Eu me acostumei com a minha condição de gente, já que bicho tem que morar na selva e não pode entrar em biblioteca. Dou mil voltas, em mil haréns e retorno com o mesmo véu: a falta tua em mim. Hoje me recordei do riso de doçura sibilante, do olho ansioso que não sabia bem fitar os meus por muito tempo. Recordei-me da dor primeira que avistei em teus olhos e dos dias em que quis ser teu porto, tua felicidade e teu vinho. Vendo como uma Osga de atividade cinegética, fico presa à idéia de que estou certa que terei de te levar ainda por muito tempo por aqui. Porque da árvore que brotam minhas palavras, você se fez a raiz. Eu temo ter que parar de escrever, por minha raiz ter-se encurvado. Eu temo que talvez ainda seja... que talvez ainda seja amor o que eu sinto. As ondas voltam a se espreguiçar e me trazem a difícil missão de adivinhar o que vai arranhar meu dorso. Se serão as aves ao se esquivar, ou se o vidro vai correr pelo rio em cabelos de espumas incandescentes. É a difícil missão de adivinhar... Porque talvez você tenha sido meu amor mais intenso e doce. Talvez ainda seja!




ME EMBRIAGO NA TUA AUSÊNCIA, PORQUE DE ALGUMA FORMA, VOCÊ MORA NUM PEDAÇO MEU. SEJA EM QUAL VIDA FOR, SE SEREI UMA FOTÓGRAFA DE GUERRA, OU UMA SIMPLES COLECIONADORA DE IMAGENS DE LUZ. SE SEREI MENDIGA OU CLEOPATRA, AS RUINAS OU AS RAMAGENS... SEREI UM PEDAÇO TEU. SEREI A MEMÓRIA TUA EM MIM, EM CONSTANTE MUTAÇÃO. TALVEZ AINDA SEJA.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O segredo
Dry Neres

Baús vivos, esfinges trancadas, vidros trincados e peliculados. Escondemo-nos de nós mesmos a cada segundo de nossa breve existência. Usamos sorrisos, brincos, peles para nos camuflar; mas tem a alma nossa, que faz um barulho ensurdecedor e por alguns instantes, foge desta casca superficial que é o corpo nosso. Deseja nos tocar. Está cheio de vozes, o meu barco.


VERBO ERMO VIL SOLAR AQUI ACOLÁ – O SEGREDO.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Caminhando
Dry Neres



Esvaziei as malas das futilidades e assombros que quis guardar. Joguei fora os lenços molhados com os sorrisos assinados que me deram um dia. Corri de meias pela grama molhada e arranquei flores que estavam presas aos meus livros. Soltei as armaduras e foices para que pudesse me sentir mais amigável, mais amável e sinestésica. Caminho devagar porque um dia meus joelhos irão reclamar das vezes que quis correr com os braços amarrados à cabeça. Quero que os elementos da terra me narrem. Hoje o dia está frio, mesmo quando o termômetro marca 37 graus. Hoje o dia está frio, porque seu abraço se perdeu do meu. Hoje o dia frio está, porque não sei mais escrever de dores que ficaram para trás. Reflito no caminho pensamental que farei entre Santiago, Egito, Porto Alegre e Salvador. E sigo... caminhando! Não tenho chicletes, nem Cd's. Perdi o relógio que eu mais gostava, soltei os óculos nas águas quentes e os brincos estão sobre a mesa. Sem ornamentos, sem lantejoulas. Sigo, somente com o lápis na mão.



O que você vê?


Uma mulher com a face em prantos?

Um golfinho a navegar no mar?

Um anjo vestido de mantos?

Um olhar que parece gritar?

O que você vê?

Uma bailarina a rodopiar...

O silêncio que se fez amigo...

O amor que me faz escutar...

Teu sorriso, meu abrigo...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

MAIOR, MAIS ALTO
Dry Neres




Eu queria ser maior, mais alto. Queria ser livre como os pássaros, leve como o vento, brilhante como o sol, doce como as nuvens de algodão. Queria ser como os poetas, sem residência fixa, roupas ou relógio.
Os meus passos desenham minha silhueta fatiada. O meu canto se perdeu em algum lugar sem estrada. Tento encostar em mim, repousar, mas a inquietação é a mesma. A agonia de ir embora do que me fiz é intensa e constante.
Eu procuro corpos para abrigar a minha alma cansada. Eu procuro você, para cuidar das minhas feridas, secar minhas lágrimas, ser meu herói, meu vilão... Mas você não existe! Você só sabe habitar os meus desejos e pensamentos de explicação à minha existência quase nuclear.
Nunca contemplei tua face. Nunca ouvi tua voz. Suas mãos não quiseram tocar as minhas e o seu olho não quis ser o meu. Eu te procuro em cada móvel do meu quarto, eu te guardo nas cartas que fiz para lhe inundar com elas quando você chegar pra mim.
Você é só um estranho... Eu não sei nada sobre teus caminhos, nem o compasso da tua respiração. Porque você não joga pedras na minha janela às duas da manhã? Porque não me beija enquanto durmo ou me rapta do lugar comum onde vivo?
Eu, te crio em mil espetáculos de nascimento dos mais variados tipos de existência. Eu te rezo, te escrevo, te leio, te peço... Nasça pra mim! Que o pó te sopre em meu coração. Que meu coração seja o palco onde você encene. Que o palco seja eterno como o beijo que sonho em guardar.
Me faça rir e minta pra mim. Não seja tão sincero nunca. Me transporte a lugares inabitados e me faça chorar de raiva e de agonia na ausência tua. Me faça sentir vontade de correr mil léguas ao teu lado e de voltar mil vidas para viver todas elas com teu perfume.
Me deixa ser teu pesadelo e teu sonho bom. Teu espanto e tua alegria. Teu esporte e tua política. Tua religião e falta de fé. Me deixa ser teu passado colorido e o seu presente no futuro.
Quero deixar de levar a vida tão a sério com você. Falar de sorvetes de pistache e colher amoras que pintam as mãos e os dentes nas árvores que terão nosso nome escrito ao lado de uma poesia sob título - ETERNIDADE.
Meu Ser vai ser maior, mais alto quando você se materializar; quando você me tirar para dançar aquela música que ainda vou inventar só para nós dois. Porque meu corpo é só uma parte sem você, mas inteira é meu desejo de ser fotografada um dia.
Eu e você, querido amor sem nome, desconhecido, seremos dois meios de um inteiro e completo estágio do amor-primeiro, do amor-último, do amor-verdade, do amor-razão, do amor-infinito, do amor-maior, do amor.
E SEREMOS...


terça-feira, 9 de setembro de 2008

A batalha nossa de todos os dias
Dry Neres




Mais do que denúncias sociais interiores ou externas, minhas palavras devem ser um grito!

Lembro-me das telas e arames e tiros. Lembro-me do soldado que tatuou o movimento de atirar em seus pensamentos, e que fora acometido pela loucura dos que se dizem sãos. Penso com rude tristeza nas famílias que se viram obrigadas a deixar suas casas, cada uma com um tiro nas mãos. Retalho os olhos de sangue, sentindo o cheiro do vermelho vivo que escorria das cabeças dos esquartejados. Vivo pensando na dor que emanava da respiração ofegante dos que corriam descompassados com as bocas abertas à espera que de algum helicóptero escorre-se grãos de arroz crus e sujos. Eu só não corro porque tenho pressa. Estranho? Bastante! Mas, eu só não corro porque tenho pressa em desenhar cada história dessa, em que o protagonista é o João, o Zé, o Tiradentes, a Olga, o Che, Eu, Você. Nossas faces estão entrelaçadas, nossos corpos separados pelas armas frias, as gentes frias, o tempo que se esfria a medida em que as geleiras derretem. Os animais vêem suas peles sendo arrancadas enquanto o coração ainda bate. As crianças vêem os cortes que as janelas fazem em seus pequenos corpos. Os idosos sentados nos bancos vêem injeções de morte a cada segundo. As escolas perderam as cadeiras e deram espaço à cadeias que abrigam os sedentos de sonhos. O dólar sobe, os sete-palmos descem. A fome assola e assombra. A vaidade estampa e estanca as máscaras já riscadas. Os políticos em seus "jogos de futebol" driblam nosso humor. É o mundo que pára entre o Obama e o McCain. Os furacões avançam no mesmo instante em que artistas apresentam suas coleções de grife. Ainda sonho com uma apnéia pela paz!

A batalha nossa de cada dia, consiste simplesmente em saber ver flores em pedras. Consiste em sorrir enquanto somos afogados pelas bocas salivantes de mentiras fantasiadas de poesia. Eu vejo o ouro transformado em enxofre. Eu vejo pérolas sendo dadas aos porcos. Eu preciso gritar, porque mudo se fez o mundo-do-medo-maior. Os jornais não noticiam o nascimento dos bebês, nem a vitória dos que aprenderam a lidar com suas adversidades. Não dá ibope! Ibope mesmo é ver o BOPE "agindo" nas favelas fluminenses, ou o desfile da tal "Independência" na Esplanada. Bonito mesmo é a anorexia, bulimia. Bonito mesmo é fazer penteado de bicho em cabelo de madame. O cuidador de carros do estacionamento dos Ministérios não importa. Ele é só mais um Zé e a história dos homens grandes não contempla os Zé's, mas sim os Goulart, Ferreros, Petrarcs, hipócritas, profanos...

Das bocas que se inclinam em direção ao céu...

Dos sangues que jorraram das cabeças...

Das bruxas que não ousei falar...

Do ouro transformado em enxofre...

Que tudo mude, ao menos um pouco.

Que tudo fique, de alguma forma melhor.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Eu não sei beijar
Dry Neres



Eu não sei. Nunca soube beijar o amor. Talvez boca seca, talvez seja salivante demais. Talvez mãos que fogem uma da outra. Talvez, só falta de sorte. Eu não sei beijar minha alma. Talvez seja tão malfadada. Talvez, só falta de sorte e mais nada. Nas noites em claro do mais profundo sono de fuga do corpo. Durmo, sonho, corro só para te esquecer. Almofadas vermelhas, luzes escuras, o vento transparente... Você, um lugar seguro que não posso me refugiar. O amor são meus dedos, minhas unhas cravadas nas pálpebras tuas. O amor é minha teia, veia, pés. Oh amor, eu não sei beijar-te. Eu não sei te fazer dançar. Procuro ritmos descompassados, malfeitos, desleixados... encontro você, tão perfeito e drástico. Oh amor, eu não sei beijar. Entre permanecer e morrer com teu veneno doce... fico! Fico sem saber o que fazer, porque a velocidade da paixão que tenho, ultrapassa a digitalidade das fotos que são rápidas em registrar-te parada, fugaz. E já me pergunto. E já me respondo. Eu não sei beijar, amor meu, princípio da minha lealdade expressiva e das falas poeticossintetizadoras.

Eu e meu anacronismo. Eu e meu antagonismo. Uma toupeira, um bicho romântico que não sabe falar ao celular. Que anda em contramão à evolução. Que quer retornar, mas sabe que as pernas não suportariam sozinhas e que quer seguir em frente, mas sabe que os cabelos mudaram de cor. Não sei mais tocar borboletas, nem revolver vulcões. Muito pior ou menos, sei ajeitar meu jardim com bancos coloridos para que você repouse. Encontrei uma placa no caminho arborizado pelo qual caminhava e ela balbuciava assim: "Aqui mora teu remédio. Vire à direita". Segui em frente e li outra: "Passaste por teu remédio e não o tocou. Beba a tua dor. Vira à direita". Em outra placa mais a frente ouvi os seguintes dizeres: "Senta, ouve, pára. O amor também ensina a beijá-lo. Embora não tenha manual, ele te explica o que não cabe em livros. Fique. Espere. Respire. Não vá para direita, nem para esquerda, nem ande, nem volte. Fique".

Me peguei a pensar nisso tudo. E assustada esfregando os olhos com as mesmas lágrimas ácidas, percebi que tenho várias placas dentro de mim. Mas que sendo o amor movedor de toda a minha poesia (sim! Poesia que é a vida minha), eu deveria me guiar somente por ele. Apesar de nunca ter sabido beijá-lo de forma eternal, eu posso esperar que ele me beije. Me ensine, me dê palmadas. Desenhe flores ou pedras em meus caminhos. Me tire a miopia, me tire toda a razão que movem os homens sem fé e sem emoção. Aprendi que posso beijar maçãs, ou livros, ou violões, ou fotos, ou vidas. E não preciso saber fazê-lo. A desconstrução é a maior dádiva que o ser pode guardar nos seios. Quebrar ondas de mar e fios elétricos é desconstruir, porque você aprende que o beijo não é tudo.


SOLTA-ME A ALMA. DERRUBA-ME EM VOCÊ. ME ARRANCA A GARGANTA TRÉPIDA. ME TIRE OS ÓRGÃOS VIVOS. LEVE MINHA PELE. ME LEVE... LEVE QUERIA EU ESTAR. LEVE, ATÉ COM FALTA DE AR. MAS LEVE, LEVE, QUERIA ESTAR. TEM GENTE QUE PARECE TER NASCIDO SÓ PARA SOPRAR AMOR, NÃO PARA ENGOLIR. EU, SOU!

Pra você, de voz infantil e doce...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Memorialista
Dry Neres





Memorialista, eu sou! Gosto de costurar as histórias por onde passei como protagonista. É... meu timbre é muito confessional. E sou em muitas horas do meu dia, somente um fake. Humana como você, sou eu. Minha diversão é fingir que estou presente neste mundo. Camuflo toda a minha ausência com pele de cetim. A minha memória é um universo e você faz parte dela. Nos últimos segundos, eu tenho pensado bastante sobre os momentos em que andar de bicicleta sem as mãos me instigava, me excitava. Pensei no meu falatório com minhas bonecas e cadernos de desenho. Vi que nada disso me atrai mais.
Sinto necessidade hoje de pular do mais alto trampolim e de nadar junto à baleias. Me fiz um tanto lunática, visionária ao extremo. Quis ser poeta e acabei descobrindo que é um caminho sem volta. Escrever dói, escrever derrama, escrever me faz viver. Mas eu tenho endeusado de forma sinestésica o âmbito que percorre a soltura entre corpo e alma. E queria. E quero uma hora dessas.
Eu estive velejando sobre a verdadeira face da minha idade psico-temporal. E percebi espantada que o sorriso de menina esconde rugas e sobrancelhas arqueadas e cortes nas mãos. Os ombros são caídos e o olho arde... É uma ardência da chuva ácida que tem feito meus olhos nus e côncavos desfalecerem em sangue. Lembro, lembro... Memorialista, sou. Eu não queria ter uma locomotiva nos pensamentos. Pareço estar sempre dando um passo à frente. Pareço, só! Na verdade a chuva ácida que corre dos meus olhos me obriga a olhar lá pra antes daqui. Ainda tem algo mal resolvido. Ainda tem algo escondido. Ainda tem algo que preciso esquecer. Joguei umas roupas fora, quebrei quadros e imagens, "vesti" botas e "calcei" luvas... mas, não resolveu!
E quem garante a você, que é tudo verdade? Eu sou um fake!
Invento, pinto, recrio, minto... FINJO! Eu posso tocar o que você pensa agora e sinto o tremor e temo pela tua agonia. Eu agora sou colecionadora de grãos de areia. Sou também a esfinge do cerrado. Eu agora trabalho com girassol. E estou sem pecado. Eu sou um fake e acreditar no que eu digo talvez seja a maior burrice que você esteja fazendo. Você, que me lê... o que acha disso? Não. Não precisa dizer! O que eu acho é que descobri que podemos dialogar, mesmo que não seja em tempo real. Descobri que posso trazer sua memória para carregar a minha que perdeu a bateria e os parafusos. Memorialista, não queria SER!



FALAM MAIS QUE TUDO: SÍMBOLOS DAS MEMÓRIAS DA POSTUMIDADE DA VIDA MINHA






Frogner Park, Oslo - Noruega & O operário na Rússia

















De Damien Hirst - Manhattan & O Edifício Ernst & Young em Los Angeles - EUA


















Em Berlim, Alemanha














A loucura, o caos personificado - De autores desconhecidos de Bagdá

E relembro nitidamente a figura doce dos países por onde AINDA não passei... dos que não tenho o nome, nem legenda, nem GPS. E relembro... e penso... e peso... MEMORIALISTA!

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Fora de órbita
Dry Neres





Me levaram o brilho dos olhos e minha poesia... Empilharam aos montes em corações que gelados eram... e se deixaram aquecer! Se esqueceram do meu... que de quente que era, se congelou... Meu corpo permanece desacordado. Não pulsa, não rege, não reza.
Porque a minha religião se foi. Porque minha religião era você. E meus sonhos se enrolaram em papiros que tomaram o rumo pra onde apontava o sol. Eu, com os bolsos furados e as mãos nos furos... permaneço: DESACORDADA.
A órbita da terra passou por mim como um quadro rasgado e nu... me disse "vai", mas foi antes de mim. São efeitos borboleta, mas tentar entender qualquer coisa só vai causar mais dor a uma alma que só queria se enclausurar nela mesma. E quem sabe ousar ter identidade com foto e o nome teu assinado por mim. Sim porque quando se ama, deveria deixar de assinar os nomes separados... e passar a assinar apenas um. Assim como o corpo deixaria de respirar sozinho se o ser amado desse passos maiores que os teus.
Se eu pudesse te mandar recados criptografados com as fotos que tiraríamos um dia... ou a receita do doce que faríamos numa tarde qualquer... ou registrar o barulho do balanço do parque onde iríamos numa tarde fria, desafiar a neve que cobre os pés... ou somente que eu pudesse apagar você dos meus lábios, da minha pele, dos meus dentes que rangem de aflição nessa ausência tua, amor intocável meu. Eu te proibo de visitar meus sonhos e pensamentos e de calçar minhas sandálias molhadas com a chuva dos meus olhos... Eu te proibo de ser minha igreja, meu templo, minha vontade, minha canção, minha luz d'alma...
Vai! Alça vôos maiores que tuas asas, porque sei que você os alcança... mas fica em algum lugar. Se satisfaça da água e da sombra. Talvez pare de buscar. O encanto se perdeu, ficou o sentimento primeiro, nobre. Não ficou nada. Talvez a marca das unhas tuas nos meus pensamentos. Quem sabe as meias que você não gosta de usar. Quem sabe o sorriso abandonado que abandonou o meu...
Ai, amor primeiro... anjo que sonhei ser meu sonho durante todo esse pesadelo. Minha religião. Não te rezarei mais. E me esquecerei do sol que brilhava em teus cabelos dourados. E me esquecerei do sangue que corre em mim para que eu não me lembre do vermelho da tua boca. Farei questão de esquecer dos meus braços, porque eles também me lembram os teus. E esquecerei esta e aquela música. E sabe o problema disso tudo? Eu esquecerei os símbolos! Mas e você? Tatuagem virou. Quem sabe um dia o sol dos teus cabelos me queime tão forte que ela evapore dos poros que guardam o cheiro teu. DESACORDADA, estou. Sem acordes, não me acorde. Me deixa deitar... na sombra que ainda me resta repousar o anel que um dia guardei pra coroar teus dedos. DESACORDADA, permaneço!